Conheçam Marlice Zonzin, mãe de
Bianca, autista de 37 anos. Marlice é diretora social da Apadem, em Volta
Redonda e apresentou, neste ano de 2012, um projeto esportivo e social à secretaria de Esportes beneficiando
autistas menores e adultos. Este projeto recebeu total aprovação do prefeito e
seus primeiros contatos com a secretaria já foram feitos. Marlice nos detalha
com leveza e alegria, suas brilhantes experiências com Bianca. Seu positivismo
e perseverança são contagiantes e exemplos a serem seguidos por todos.
Quando Bianca estava com 06 meses,
notei algo estranho, mas jamais imaginei que fosse autismo, pois não conseguia
relacionar o que via com a síndrome e pensei que fosse coisa de criança. Até
hoje, ela faz um trejeito com a boca e bate as mãos na água quando está na
piscina. Bianca é autista clássica com muitas ecolalias e esteriotipias e eu
sou sua terceira mãe. Deixe-me explicar melhor: sua mãe biológica estava
passando por nossa cidade e foi acolhida por uma assistente social na hora do
parto. Bianca escolheu nossa cidade para nascer! Segundo relatos do hospital,
seus pais seguiram seus destinos e a deixaram para adoção, pois eram pobres
andarilhos e não tinham a menor condição de cuidar dela. Doze dias depois, meus
pais pegaram a guarda de Bianca. Minha mãe tinha mais de 50 anos naquela época
e foi tudo muito difícil, pois a adoção levou muito tempo para ser
regularizada.
Bianca foi diagnosticada com
autismo aos 05 anos, o que deixou minha mãe sem chão. Foram várias tentativas
em escolinhas regulares, tratamento com fono, psicóloga, psiquiatra, remédios
etc. Uma verdadeira catástrofe! Bianca piorou e a família perdeu mais ainda o norte.
Ninguém sabia para onde ir…
Nesta época, eu terminei minha
faculdade e me casei. Comecei minha vida com meu marido e tive dois filhos.
Meus pais se viraram bastante sem minha presença contínua e eu sem a deles. Eu
acompanhei todas as fases da vida de Bianca, mas quando meus filhos eram
pequenos foi uma fase difícil para todos, principalmente, na questão da presença
e assessoria, pois as tarefas eram muitas.
Os amigos e familiares comentavam
sempre que minha mãe estava errada por ter adotado alguém com “problemas” e isto
a entristeceu, deixou-a introspectiva e a fez perder o círculo de amizades. Minha
mãe, que tinha problemas cardíacos, faleceu em junho de 2011, aos 84 anos. Meu
pai, já com um câncer de medula, faleceu aos 86 anos… Estes foram os meses mais
difíceis e mais tristes de minha vida, pois nesta época Bianca não reconhecia
mais a figura de meu pai, porque o câncer o desfigurara. Ela tinha crises e
mais crises e queria a mãe, que já havia falecido. Nesta época, confesso que
achei que não iria suportar… Mas pude contar com o apoio de meu marido, que
aceita minha irmã e gosta muito dela. Meus filhos não moram mais conosco, pois
já são casados e têm suas vidas, porém, me apoiam muito. Quando eu preciso,
minha filha, que mora mais perto, e minha empregada me auxiliam. Posso garantir
que, indiscutivelmente, todos aceitam e gostam demais da “Bi”, (esse é seu
apelido carinhoso).
Para termos qualidade de vida,
decidimos que deveríamos encarar a sociedade, pois percebemos que as pessoas
não se acostumam ao diferente. Mas isto não me abala, ao contrário, minhas
campanhas de conscientização não são para que todos passem a encarar o que não
entendem, mas somente para compreenderem o que existe. Ter em casa uma pessoa especial,
nos dá um trabalho extra, principalmente quando estamos em idade de
aposentadoria e aquele “aproveitar a vida”, que todos comentam. Contudo, estamos
aproveitando cada minuto de nossas vidas sim, e incluímos a Bianca em nossas viagens,
nosso lazer e em nossas vidas. Apesar de Bianca ser completamente ligada a
rotinas, adora passear, então passeamos!
Minha dificuldade maior é
encontrar ou confiar em uma babá, pois as pessoas não entendem bem o que se
passa com um autista. Ainda mais para cuidar de uma autista tão grandona e seletiva,
pois Bianca é bem seletiva no que diz respeito a pessoas. Por isso, trabalho
muito para dar a ela um convívio de mais segurança e assim ela passará a
aceitar melhor as pessoas e as mudanças, que a propósito, estão grandes nestes
últimos meses, pois eu e meu marido também precisamos dos nossos momentos,
claro!
Os progressos acontecem, mas são
lentos. Às vezes, uma conquista que levou anos desmorona em minutos. Mas, ela
tem aceitado bem e eu tenho dedicado muitas horas dos meus dias para que ela
tenha bastante segurança, o que é facilitado pelo fato de ela gostar muito de
mim!
Há momentos em que me sinto impotente
diante dos fatos, como explicar onde estão papai e mamãe, ou vê-la sem
atividades, ver que, como ela, muitos autistas adultos não tiveram
oportunidades, seja por falta de políticas públicas ou pelo fato de nossa
ignorância em não saber o que realmente era autismo e como tratar na época. Apesar
de que meus pais tentaram de tudo e não lhe foram negados tratamentos.
Acredito que um autista bem assessorado,
com atividades regulares, tratamento multidisciplinar, carinho, atenção, amor e
muitas terapias direcionadas com profissionais capacitados e que entendam bem
do problema, ao menos para mim, representa uma cura. Para ser bem franca,
acredito em cura para o autismo. Mesmo que não haja nada por parte da ciência e
também não acredito em psicotrópicos, pois creio que estes mascaram
comportamentos ou levam a outras crises, por conta de seus efeitos colaterais,
que devem ser muito difíceis de serem descritos por um autista. Minha irmã fez
um trabalho de desintoxicação a base de exercícios, em que deixou todos os
medicamentos que tomava. Ou seja, ela passou a ter atividades e não precisou
mais ser medicada.
Quando eu não conhecia nada sobre
o assunto, pensei que pelo fato de ter pais andarilhos, e talvez alcoólatras ou
drogados, sem suplementos vitamínicos, que eles fossem os “culpados”. Hoje, peço
perdão a Deus todos os dias, pela minha ignorância e rezo por esta mãe, que
mesmo querendo, não pode cuidar de sua filha. O que acho hoje em dia é que os poluentes
e os fatores genéticos sejam a causa.
Uma das coisas que me trouxe
alegrias foi poder fazer parte de uma associação, conhecer pessoas com os
mesmos questionamentos e entender a respeito de autismo. Minha irmã está melhor
graças ao meu entendimento, mesmo ainda não sendo tanto conhecimento, porque tenho
mais confiança e segurança, logo vivemos melhor e mais felizes. Quanto mais eu
entender sobre autismo, mais desenvolvimento minha irmã terá.
Apesar de toda a luta, minha irmã
também me diverte muito quando está de muito bom humor. Ela fala coisas
engraçadas que, mesmo sem nexo, nos diverte muito. Às vezes, ela passa perto de
alguém com cabelos compridos demais ou com uma cor acentuada, e diz: “Que
cabelo horrível!” Aí, a pessoa escuta e é só risos! rsrsrsrsrsr
Todas a pessoas que conheci no
meio autístico, todo amor incondicional que tenho por esta irmã, que nem sei de
onde vem, e todas as lutas que nos trouxeram até aqui, sempre foram minhas
maiores inspirações.
Como todas as pessoas neste
planeta, com suas variáveis, tenho momentos tristes e felizes e esta pequena
retrospectiva me fez enxergar pessoas queridas só me dão a certeza de que tenho
muito a me orgulhar e dizer que sou feliz! Cuidei de tantos e ainda tenho saúde
e força para cuidar e lutar por mais alguém. Seja como for, levarei adiante
esta causa que abracei e na certeza também que o mundo será melhor no que diz
respeito aos autistas, pois, como eu na minha pequena contribuição, muitos
corações e mãos se unem em favor destes, que como sabemos precisam de alguém
para defendê-los e zelar por um futuro melhor. O meu lema para alcançar a
tantos que como eu, um dia, nem imaginava como este mundo autista, apesar de
grandes desafios, nos tornam pessoas melhores é poder compartilhar minhas
histórias e ajudar outros a terem força nesta caminhada.
Bianca |
Texto escrito por Anita Brito a partir de um questionário preenchido pela pessoa entrevistada. Caso deseje utilizar nossos textos, por favor citem a fonte. Obrigada.